segunda-feira, 16 de março de 2009

Para as minhas filhas, Danielle e Fernanda


"Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho, olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum.
Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda, desabusada,
sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.
Vive dentro de mim a mulher roceira.
– Enxerto da terra, meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida – a vida mera das obscuras."

(Cora Coralina)

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